Nelson Cadena: Entrevista com Líbero Badaró (08.04.2011)

Na oportunidade do Dia do Jornalista, transcorrido ontem, entrevistei Líbero Badaró. Estava tranquilo, vestia camisa e bermuda branca, primeira vez que o italiano falou para a imprensa desde seu assassinato em 20 de novembro de 1830.


Como se sentiu homenageado pelos jornalistas no dia 7 de abril?
Me senti péssimo. Quem tomou um tiro no estômago fui eu e sei quanto doeu. Para vocês é muito confortável fazer festa e acho um desaforo a turma de relações públicas enviar cartões, e-mails marketing e mimos. Eu tenho consciência de que a instituição do Dia do Jornalista pela ABI teve motivação política. Senão, por que escolheram a data da abdicação de Dom Pedro I e não a data em que fui atacado e morto por sicários do governo?


Mas foi a sua morte que deu inicio a um processo de revolta popular que culminou com a abdicação ao trono de Dom Pedro I em favor de seu filho.
Que nada! Eu fui bucha de canhão nessa história. A imprensa oportunista aproveitou o meu assassinato, jogou a culpa em Dom Pedro I, chegaram a atribuir-lhe o mando do crime, criaram aquela confusão e vaias lá em Minas Gerais. Manipulação pura da opinião pública para atender interesses. Quando atiraram em mim já havia um movimento em curso para destituir o imperador, a minha morte só fez acelerar o processo.


Então, você absolve Dom Pedro I do crime de mando que lhe foi atribuído pela imprensa?
Claro! Dizer que o imperador mandou me matar é como dizer que Getúlio mandou matar o Lacerda e acertou no Vaz. O verdadeiro crime de Dom Pedro I foi o mesmo de Vargas: tentar acobertar os criminosos, logo que informado do ocorrido e de suas implicações. O verdadeiro mandante, o juiz corregedor Ladislau Japiassu, teve a fuga facilitada pelo Bispo (senão o povo linchava o homem) e chegou a sentar no banco dos réus, mas foi absolvido. Pior o tal do Stock que puxou o gatilho contra mim. Foi condenado à prisão perpétua e logo em seguida absolvido por “legítima” pressão do Palácio.


É verdade que no seu leito de morte você teria pronunciado a frase “morre um liberal, mas não morre a liberdade”?
Se eu falei isso, não lembro. Estava sentindo uma dor miserável, me esvaindo em sangue. No meu tempo não tinha analgésicos, morfina, esses confortos; era sangue esguichando para todo lado e só sentia uma queimação que parecia o próprio fogo ardendo por dentro. Se eu falei estava delirando, mas, reconheço, é uma frase forte. E tem a ver comigo.


Qual é o seu legado para os jornalistas?
Em primeiro lugar eu era médico e um militante político. Não me confunda com jornalista. No meu tempo não existia essa profissão que, aliás, admiro muito. Nós não tínhamos a notícia como prioridade. Praticávamos o que vocês chamam de jornalismo de opinião, mas sempre engajado numa causa. Guardadas essas diferenças, acho que deixei um legado, sim! Não o que me foi imputado no papel de mártir. Mas o de não ter me amedrontado diante das pressões dos poderosos. A liberdade de expressão não tem preço, mas tem que ser cultivada. Como uma plantinha que é regada todos os dias e exposta ao sol. Um dia dá flores e frutos. Senão murcha e com ela o próprio sentido da profissão.


Alguma palavra final para os leitores do CORREIO?
Sim, um bom fim de semana. Morrendo de inveja de vocês. Aqui está bom, mas aí, tenho certeza, está ótimo.

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